44.º FIMUV com programa mais audacioso para marcar com a Voz o regresso à cultura plena
Especialmente dedicada à Voz, a edição de 2021 do Festival Internacional de Música de Paços de Brandão inclui 13 propostas, desde espetáculos de música erudita, ópera, jazz e world music até concertos inclusivos e performances de dança contemporânea. Entre os artistas que este ano se associam ao evento inclui-se a soprano alemã Mojca Erdmann, a violonista e cantora brasileira Badi Assad e, agora em duo, o violoncelista alemão Benedict Kloeckner com a pianista suíça Beatrice Berrut. Apostado em compensar quase dois anos de restrições ditadas pela pandemia, o festival deslocar-se-á ainda a estruturas residenciais para portadores de deficiência, escolas e alas hospitalares.
Aquele que é um dos festivais de música clássica com mais antiguidade em Portugal regressa a Santa Maria da Feira de 1 a 30 de outubro, com um programa que, embora respeitando todas as cautelas impostas pela persistente pandemia de covid-19, apostará este ano numa oferta mais extensa do que a de 2021 e numa maior diversidade de géneros artísticos. Após várias edições com foco no virtuosismo instrumental, o cartaz deste ano opta por explorar diferentes registos vocais e aborda-os inclusive em formatos que visam uma efetiva democratização do conceito de cultura para todos. Promovido pela associação CiRAC com o apoio da Direção-Geral das Artes e da autarquia local, a 44.ª edição do Festival Internacional de Música de Paços de Brandão (FIMUV) integrará assim 13 propostas distintas, percorrendo 11 auditórios e salas informais do município. Todas as iniciativas estarão disponíveis mediante entrada livre ou a preços que não ultrapassam os 5 euros, refletindo uma seleção de artistas oriundos de sete países, todos com reputação internacional e apreciados tanto pela crítica como pelo público não-especializado.
Para o diretor artístico do festival, Augusto Trindade, essa programação foi delineada tendo em conta o presente contexto social, ainda dominado pela covid-19, mas visando já a gradual retoma da normalidade. “Ao longo de vários anos, no FIMUV escutámos sobretudo música e formações instrumentais, encontrando no seu cartaz grandes orquestras e solistas, todos com percursos e carreiras notáveis nacional e internacionalmente. Em 2021, a voz é a nossa grande aposta”, revela o violinista e pedagogo. “É uma escolha natural, não só porque esse é o mais incrível instrumento musical do planeta, mas também pelo seu indissociável appeal humano e emotivo, numa altura em que todos se ressentem de demasiados meses de distanciamento social e do autodomínio na afetuosidade física”.
Nuno Reis, presidente do CiRAC, realça que as prolongadas condicionantes impostas ao convívio social e com graves consequências ao nível da economia e do mecenato cultural se têm revelado um desafio exigente. “É com uma forte resiliência que o CiRAC tem continuado com as suas portas abertas e mantido uma atividade constante nestes tempos adversos de pandemia que ainda estamos a ultrapassar”, explica. “São já quase dois anos de uma atividade cheia de incertezas, em que só os mais audazes foram capazes de se adaptar e de manter o seu espírito vivo. Mas o CiRAC tem sido capaz de o fazer e, uma vez mais, o FIMUV é prova disso. Apesar de todas as limitações, quer sociais quer financeiras, o festival segue ininterruptamente para a sua 44.ª edição anual e fá-lo sem ceder na qualidade, mostrando que tem vindo sempre a evoluir e a merecer a notoriedade que lhe reconhecem no meio artístico”.
Da ópera à eletrónica
O primeiro espetáculo do FIMUV 2021 é o concerto em streaming “FIMUV pelo Mundo”, que, a 1 de outubro, Dia Mundial da Música, dará a ouvir a partir de França valores emergentes da música de câmara: o duo de pianistas MusicOrba, composto pelo português Ricardo Vieira e pelo japonês Tomohiro Hatta, que já atuaram em salas como o Tribeca Film Center de Nova Iorque e o Olympia de Paris.
Para 2 de outubro está depois previsto, no Cineteatro António Lamoso, a “Iniciação” do Ballet Contemporâneo do Norte, que resulta de um trabalho de ativação de “práticas de resistência coletiva” por 16 artistas.
Uma semana mais tarde, o palco do auditório da Biblioteca Municipal de Santa Maria da Feira será tomado pelo recital de Benedict Kloeckner e Beatrice Berrut, que Augusto Trindade descreve como “dois extraordinários intérpretes”, exímios na interpretação de Schumann, Brahms e Cesar Franck.
Sucedem-se então quatro outros espetáculos: um recital por jovens laureados nos concursos internacionais Paços’ Premium e Cidade do Fundão, a 13 de outubro, na Academia de Música de Paços de Brandão; a performance “Dez séculos de história”, em que o Coro do CiRAC irá abordar temas simbólicos “dos primórdios do organum até ao século XX”, a 15 de outubro, no auditório da casa; o concerto “Textures and Lines”, em que a percussão do coletivo Drumming se combina com a eletrónica da dupla Joana Gama e Luís Fernandes, a 16 de outubro, no Cineteatro António Lamoso; e o recital com os vencedores do Prémio Jovens Músicos 2020, a 17 de outubro, novamente na Academia de Paços.
Livros, filosofia africana e folk
No mesmo local terá lugar a 22 de outubro a apresentação do livro “ABC do Violino”, o compêndio de exercícios musicais reunidos pelo músico e docente Tiago Afonso para cativar jovens executantes com uma linguagem acessível e imagens particularmente apelativas. Na mesma data segue-se a opereta de um único acto “Rita”, escrita no auge do Romantismo pelo italiano Gaetano Donizetti e levada à cena no auditório do CiRAC, narrando uma trama de casamentos e violência doméstica sob a direção artística de Luís Rendas Pereira.
São depois quatro os últimos espetáculos do 44.º FIMUV, a começar pelo concerto de Badi Assad, que o diretor artístico do festival define como “uma virtuosa violonista, cantora, malabarista vocal e compositora”. Com 18 discos gravados por editoras como a Deutsche Grammophon e atuações em mais de 40 países, a artista que atua a 23 de outubro no Cineteatro António Lamoso foi incluída pela revista Rolling Stone na lista dos 70 maiores mestres da história do violão e da guitarra brasileira.
Um dia depois será o Grande Auditório do Europarque a receber a Orquestra Filarmónica Portuguesa num concerto com a soprano alemã Mojca Erdmann. O espetáculo será dirigido pelo maestro Osvaldo Ferreira e dará a conhecer a “sonoridade límpida e beleza imaculada” que Augusto Trindade reconhece à solista, “exímia na interpretação de um repertório que cobre desde o estilo barroco até à música contemporânea”.
De 25 a 28 de outubro realizar-se-ão cinco performances do mesmo projeto pela Academia de Líderes Ubuntu, com artistas do Instituto Padre António Vieira levarão música e filosofia africana a duas escolas, duas CERCI e à ala pediátrica do Hospital São Sebastião.
O FIMUV 2021 encerra a 30 de outubro, no palco do CiRAC, com o concerto da banda espanhola Rarefolk, que há 30 anos se vem baseando em raízes musicais irlandesas para as fundir com sonoridades de diversos locais do mundo, harmonizando-os num estilo multicultural de identidades partilhadas.
“É tempo de brindarmos à saúde”, conclui Augusto Trindade, “e também ao engenho humano, que teve nas conquistas recentes da ciência e da solidariedade social o que também se revelou um estímulo para a criatividade artística, para o génio musical, para a expressividade emocional e, no fundo, para todos os prazeres e alegrias proporcionados pela cultura partilhada”.