“Falar sobre suicídio é importantíssimo para prevenir e dar sentido à vida de quem fica”
O “suicídio ainda é um tema tabu” em Portugal e os números são preocupantes. Estima-se que se suicidam “pelo menos três pessoas por dia” no país. No mês em que se assinalou o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio, celebrado anualmente a 10 de setembro, a Rádio Sintonia acolheu um debate que procurou esclarecer a comunidade. Quais os sinais de alerta e os fatores de risco, como é possível encontrar ajuda, como lidar com a morte de alguém por suicídio ou de que forma se podem prevenir comportamentos suicidários foram alguns dos tópicos em cima da mesa com as oradoras Ana Cristina Lopes e Sofia Santos Nunes.
‘Viver Depois do Suicídio’ foi o tema do último programa Falar (Sobre)Tudo na Rádio, uma iniciativa dinamizada pelo Fórum Social da União de Freguesias de Santa Maria da Feira, Travanca, Sanfins e Espargo, em parceria com o serviço de psiquiatria do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga que discute, na Rádio Sintonia, temas relacionados com a saúde mental.
“O suicídio ainda é um assunto tabu e muito difícil de discutir, é importante este diálogo”
Ana Cristina Lopes, médica psiquiatra do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga e responsável pela consulta de prevenção do suicídio, alerta para a importância de debater esta temática, sobretudo “numa fase especialmente difícil em termos socioeconómicos“. “Sabemos que os fatores socioeconómicos são muitas vezes determinantes principalmente para as pessoas mais frágeis e mais vulneráveis, daí a importância desta discussão. É nestas alturas de maior instabilidade social que temos números aumentados de suicídio. Apesar de não ser uma relação consensual, há alguns estudos que favorecem esta relação e então temos de estar atentos a isso e, como ainda vai sendo um assunto tabu e muito difícil de discutir, é importante este diálogo”, considera a médica psiquiatra.
Sofia Santos Nunes, presidente da Associação Sobre Viver Depois do Suicídio, complementa. “Ainda é um tema tabu e é ainda mais tabu quando envolve os familiares de uma pessoa que efetivamente perdemos para o suicídio. Ainda se acha muito que o suicídio é uma escolha livre, que não está associada à falta de saúde mental ou a quadros psicopatológicos mais complicados e a família muitas vezes fica desamparada“, alerta. “Falar sobre suicídio é importantíssimo para prevenir e dar sentido à vida de quem fica“, acrescenta.
Associação Sobre Viver Depois do Suicídio “é um espaço para viver o luto em comunidade”
Com vista a apoiar familiares e toda a comunidade no processo de luto depois de um caso de suicídio, a Associação Sobre Viver Depois do Suicídio começou a dar os primeiros passos em 2020 para abrir oficialmente as portas ao público no ano passado. “O objetivo desta associação é apoiar os familiares e toda a comunidade relativamente ao luto para que não se sintam sós e para que encontrem na comunidade pessoas que passaram pelo mesmo e profissionais capacitados a fornecer ajuda“, esclarece Sofia Santos Nunes, uma das co-fundadoras da associação. “Houve uma comunidade que viu esta necessidade na sociedade de falar sobre isto, de dar sentido a estas perdas também e de perceber em conjunto como é que podemos prevenir isto que aconteça noutras famílias”, afirma. Em suma, esta associação presta apoio à comunidade, organiza círculos de palavra, facilita o contacto entre profissionais de saúde e sobreviventes, administra formação e dinamiza várias campanhas de sensibilização. “No fundo, é um espaço para viver o luto em comunidade e para prepararmos todos e cada um de nós para a prevenção do suicídio e para o apoio aos sobreviventes, que é uma comunidade que ainda está muito isolada“, realça.
CHEDV sensibiliza profissionais e comunidade no terreno sobre a prevenção do suicídio
Ana Cristina Lopes é médica psiquiatra no Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga (CHEDV) desde 2016, altura em que, juntamente com outros profissionais de saúde, concebeu um projeto que pretende sensibilizar a comunidade para esta problemática. Além da consulta de prevenção do suicídio (que funciona no Hospital de S. João da Madeira), esta equipa tem dinamizado várias ações, fora das paredes da unidade hospitalar, com vista a capacitar profissionais e a própria comunidade. “Como sabemos, se trabalharmos só no hospital e nas pessoas que já estão doentes, não vamos conseguir ter muito impacto naquilo que é a prevenção. Por isso temos feito o que hoje em dia a grande parte dos profissionais de saúde faz, que é sair do hospital, ou seja, estar em contacto com as pessoas que estão no terreno e com a comunidade“, afirma. “Um dos objetivos é capacitar as pessoas que designamos de ‘porteiros sociais’, ou seja, que pela profissão têm um contacto mais privilegiado com pessoas que possam estar em risco“, explica Ana Cristina Lopes, dando como exemplo psicólogos das escolas e instituições, assistentes sociais, profissionais dos centros de saúde, forças de segurança ou bombeiros.
“Nunca devemos desvalorizar pedidos de ajuda”
A que sinais de alerta se deve estar atento? Sofia Santos Nunes destaca o site prevenirsuicidio.pt, onde é possível encontrar muita informação. A também psicóloga clínica de formação alerta, por exemplo, para perturbações de foro mental, mudança radical de comportamento, isolamento ou pedidos de ajuda como sinais de alerta que não se devem ignorar. “Isto são sinais a que devemos estar atentos e nunca desvalorizar, especialmente com adolescentes ou pessoas mais velhas ainda desvalorizamos muito estes pedidos de ajuda“, salienta, apontando para outro preconceito que é preciso desmistificar. “Devemos abordar a pessoa e falar sobre isso, um dos maiores mitos é que falar sobre suicídio quase que incentiva este comportamento, mas não é nada disso“, realça Sofia Santos Nunes.
Recomendamos, também, a leitura do documento elaborado pela Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Ana Cristina Lopes complementa e destaca que há fatores de risco que foram evoluindo ao longo do tempo, como o facto de uma pessoa ser ou não religiosa. O “isolamento social“, afirma a médica psiquiatra, continua a ser um dos fatores de risco mais determinantes.
Há muitos mitos em torno do suicídio. Aos microfones da Sintonia, Ana Cristina Lopes e Sofia Santos Nunes, ajudam a desconstruir preconceitos.
Se por um lado há fatores de risco para o suicídio, também existem fatores que podem ajudar a mitigar este flagelo, como a estabilidade familiar e socioeconómica ou o acesso a cuidados de saúde mental, explica Ana Cristina Lopes.
Ouvir quem está em processo de luto é fundamental
Como é que se deve apoiar quem passa por este tipo de perda? Sofia Santos Nunes avisa que não há “uma receita daquilo que funciona“, mas coloca a tónica na necessidade de ouvir os sobreviventes. “Não é tanto o fazer, mas sim o ouvir, esta é uma necessidade que as pessoas que chegam até nós nos relatam muito”, aponta.
Ana Cristina Lopes complementa…
O programa ‘Falar (Sobre)Tudo na Rádio’ debateu, no passado dia 7 de setembro, o tema ‘Viver depois do Suicídio’. Pode ouvir o programa na íntegra aqui.